POEMAPELE

libero os dedos
e deixo sair o que for
deixo vir tudo
que o tempo é curto
a vida é breve
mas o poema
fica reverberando
no ar
deixo sair
os dilemas
deixo vida
ser tema
deixo a poesia
levar o barco
lanço ao mar
garrafas-poemas
e sou onda
e onde o poema chegar
eu aporto meu caos
e sou cais
deixo a poesia
encher meus olhos d’água
e irromper no papel
porque escrever
é mato
e eu mato e morro
por um verso
à flor da
poesia-pele

ALTO SILÊNCIO

os silêncios
gritam
fazem tanto barulho
que nem consigo me ouvir

as entranhas
gritam
movimentam-se
desconexas
à exaustão

as ruas
gritam
ouço os estalos
nas mãos das crianças

elas não gritam

tento pensar alto
ensaio um
grito
mas ele eclode por dentro

e se dissolve
em silêncio
e medo

RECL-AMAVA

costumava
reclamar dos dias
das notícias

reclamava,
ora bolas

reclamava tanto
que se passavam
horas

e já era hora
de reclamar que o dia acabou

até que
o jogo virou

sentia saudade
dos dias de que tanto reclamara

das notícias
das horas

saudade, ora bolas

e era tanta a saudade
que não via passar
o dia

reclamava
saudade, sabe?

nunca mais
se acostumou

DIAVESSO

vestida de avesso
segui o dia
de onde não estava

olhei o tempo
e o vi passar

era como se
água jorrasse
de uma torneira
que alguém esqueceu
aberta
e o tempo
fosse
indo
ralo
abaixo

tentei fechar
a torneira
mas o tempo
continuava
sua cachoeira

aparei com as mãos
o que pude

lavei o rosto
com os restos
de horas

me vi avesso
e o dia seguiu

CALMAMOR

o amor é calma
onde habito

tem silêncio e gemidos
sussurro ao pé do ouvido

invade as horas
e faz sonhar sem dormir

guarda sorrisos
pra dias sem sol

conhece as curvas e retas
da estrada que sou

e não tem pressa de chegar
desfruta o caminho

com a calma
de saber habitar

o amor